Pulando
sapata na faixa de segurança!
Por
vezes, pequenos detalhes passam completamente despercebidos
em nossa vida. Não observamos um gesto, uma fala, um pedido de
ajuda, uma reclamação e, no ostracismo das ausências,
perdemos um pouco da vida a cada dia. Pois, hoje pela manhã percebi
um desses belos detalhes. Ao ir para o trabalho, na
movimentada RS 287, palco de tensões contínuas e até cenas
trágicas, o que nos faz vestir uma armadura emocional a cada vez que
iniciamos a travessia, avistei uma senhora no acostamento, à
beira da faixa de segurança. Pegava pela mão uma menina de uns quatro anos. No som do meu carro, tocava,
entre tantas coisas que escuto, um agressivo heavy metal do
Motörhead, The Ace Of Spades – para quem conhece sabe do que falo.
Liguei os alertas do carro, diminuí a velocidade e fui parando aos
poucos. O trânsito todo acompanhou a pausa e deu-se a imobilidade.
Pude ver o ar de contentamento da senhora, ao mesmo tempo que
apertava a mão da menina para que caminhasse. Eis que, o inusitado
aconteceu. A criança passou a pular lentamente uma a uma as listras
da faixa de segurança, como se estivesse numa pracinha de brinquedos
pulando amarelinha – ou sapata para os mais antigos – causando um
inevitável riso. Por um instante imergi no que via e imaginei a cena
ao som de My Girl, The Temptations. Aqueles segundos pareceram
intermináveis e sufocaram a metaleira dentro do meu carro. A carinha
da menina levava a inocência marota dos anjinhos de Rafael Sanzio e
um sorrisinho sapeca próprio da idade. E o trânsito parado. Um
pulinho atrás do outro e a travessia continuou sob o olhar atento de
todos nos carros, no ônibus lotado, nos dois sentidos. Todos nós,
apressados motoristas, esperando ela chegar “no céu”. Naquele instante me dei
conta de que é possível conviver educadamente, relaxar e dar espaço
para a contemplação. Um agressivo heavy metal é tão audível
quanto uma revigorante e doce balada dos anos 60. Trânsito não é
lugar de brincar, todos sabemos, não dá para sair pulando sapata em
tudo que é faixa de segurança, mas como dizer que isso não é
belo, como querer dar um “puxão no bracinho” e acabar com a
beleza do momento. Podemos ter cuidado com a vida, com o trânsito,
com as crianças, ouvir música alta, contemplar. Educar para a vida
é educar para conviver, observar as regras, apreciar detalhes, ter paixão e viver momentos de prazer. Um
pouco de Apolo, um pouco de Dionísio e a vida agradece. Fim da pausa, ... The only thing you see, you know It's gonna be, The Ace Of Spades, The Ace Of Spades...
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